Sonho de Bach
Ária e Letra do Rei Henrique III
O Grand Journal de 4 de junho de 1865 relata o seguinte fato:

“Todos os editores e amantes da música de Paris conhecem o Sr. N. G. Bach, aluno de Zimmermann, primeiro prêmio de piano do Conservatório, no concurso de 1819, um dos nossos mais estimados e mais honrados professores de piano, bisneto do grande Sebastian Bach, cujo nome ilustre porta com dignidade.

“Informado por nosso amigo comum Sr. Dollingen,administrador do Grand Journal, de que o apartamento do Sr. N. G. Bach tinha sido teatro de um verdadeiro prodígio na noite de 5 de maio último, pedi a Dollingen que me levasse à casa do Sr. Bach, e fui acolhido no no 8 da Rua Castellane com fina cortesia. Creio ser inútil acrescentar que foi depois de ter obtido autorização expressa do herói desta história maravilhosa que me permito contá-la aos meus leitores.

“No dia 4 de maio último, o Sr. Léon Bach, que é um curioso dublê de um artista, trouxe a meu pai uma espineta admiravelmente esculpida. Depois de longas e minuciosas pesquisas, o Sr. Bach descobriu, numa prancha interna, o inventário do instrumento; data do mês de abril de 1564 e foi fabricada em Roma.

“O Sr. Bach passou uma parte do dia na contemplação de sua preciosa espineta. Ao deitar-se pensava nela e, quando o sono vinha cerrar-lhe as pálpebras, ainda pensava no instrumento.

“Não é, pois de admirar que tenha tido o seguinte sonho:

“No mais profundo de seu sono, o Sr. Bach viu aparecer à cabeceira do leito um homem com longa barba, sapatos arredondados na ponta e com grandes laços em cima, um calção muito grande, um gibão de mangas justas com aberturas no alto, um grande colarinho e com um chapéu pontudo e de abas largas.

“Essa personagem curvou-se diante do Sr. Bach e narrou o seguinte:

“A espineta que possuís me pertenceu. Muitas vezes me serviu para distrair meu senhor, o rei Henrique III. Quando ele era muito jovem, compôs uma ária com letra, que gostava de cantar e que eu lhe tocava muitas vezes. Ele compôs a ária e a letra em lembrança de uma mulher que encontrou numa caçada e pela qual se apaixonou. Afastaram-na dele; diz-se que foi envenenada e o rei sofreu uma grande dor. Toda vez que estava triste cantarolava esta romanza22. Então, para o distrair eu tocava em minha espineta uma sarabanda de minha composição, que ele apreciava muito. Assim eu associava sempre esses dois trechos e não deixava de tocar um após o outro. Vou fazer-te ouvi-los:
22 N. do T.: Grifo nosso.

“Então o homem do sonho aproximou-se da espineta,deu alguns acordes e cantou a ária com tanta expressão que o Sr. Bach acordou em pranto. Acendeu uma vela, olhou a hora, constatou que eram duas da madrugada e não tardou a dormir novamente.

“É aqui que começa o extraordinário.

“Pela manhã, ao despertar, o Sr. Bach ficou muito surpreso ao encontrar sobre a cama uma página de música, preenchida com uma escrita muito fina e notas microscópicas. Foi com dificuldade que o Sr. Bach, auxiliado pelo binóculo, já que é
bastante míope, conseguiu reconhecer-se em meio a esses rabiscos.

“Um instante depois, o neto de Sebastian sentou ao piano e decifrou o trecho. A romança, a letra e a sarabanda estavam exatamente conformes às que o homem do sonho lhe fizera ouvir durante o sono!

“Ora, o Sr. Bach não é sonâmbulo; jamais escreveu um único verso em sua vida e as regras da versificação lhe são completamente estranhas.

“Eis o refrão e as três quadras tais quais as copiamos do manuscrito. Conservamos a sua ortografia que, diga-se de passagem, de modo algum é familiar ao Sr. Bach.

Perdi aquela
Por quem tanto amor nutria;
Ela é tão bela
Tinha por mim cada dia
Novo favor
De anseio ter.
Sem ela, oh! dor,
Quero morrer!

Numa caçada longe, ainda matina,
Eu a avistei pela primeira vez,
Imaginei um anjo na campina,
Então senti-me o mais feliz dos reis.

Daria, sim, meu reino para revê-la
Ainda que fosse por um breve instante;
Numa cabana humilde ao lado dela
Para sentir meu coração pulsante.

Enclausurada e triste, oh! minha linda,
Últimos dias seus longe de mim.
Ela não sente mais que a pena é finda;
E quanto a mim, ai, ai! sofrendo assim.

Nesta canção lamentosa, como na sarabanda alegre,que a segue, a ortografia musical não é menos arcaica que a ortografia literária. As claves são feitas de modo diverso daquelas dos nossos dias. O baixo é escrito num tom e o canto em outro. O Sr. Bach teve a delicadeza de me fazer ouvir os dois trechos, que são de uma melodia simples, ingênua e penetrante. Aliás, nossos leitores não tardarão a poder julgá-los com conhecimento de causa. Estão nas mãos dos grandes gravadores e aparecerão no correr desta semana no editor Legouix, no Boulevard Poissonière, no 27.

“O jornal da Estoile nos informa que o rei Henrique III teve uma grande paixão por Maria de Clèves, marquesa de Isles, morta na flor da idade, numa abadia, no dia 15 de outubro de 1574. Não seria ‘a pobre, bela e triste enclausurada’ a que aludem os versos? O mesmo jornal também nos diz que um músico italiano, chamado Baltazarini, veio à França nessa época e foi um dos favoritos do rei. Teria a espineta pertencido a Baltazarini? Foi o Espírito deste quem escreveu a romança e a sarabanda? – Mistério que não ousamos aprofundar.”

Albéric Second

Depois da letra, o Grand Journal inseriu a música, que lamentamos não poder reproduzir aqui; mas como atualmente se acha à venda, será fácil aos amadores adquiri-la. (Ver as notas bibliográficas).

O Sr. Albéric Second termina o seu relato por estas palavras:

“Mistério que não ousamos aprofundar!” E por que não o ousais? Eis um fato cuja autenticidade vos é demonstrada, como vós mesmo reconheceis, e, porque diz respeito à vida misteriosa de além-túmulo, não ousais pesquisar-lhe a causa! Tremeis ao olhá-la de frente! Então, mau grado vosso, temeis os fantasmas ou receais adquirir a prova de que nem tudo acaba com a vida do corpo? É verdade que para um céptico, que nada vê e em nada crê além do presente, essa causa é muito difícil de encontrar. Entretanto, por isto mesmo, porque o fato é mais estranho e parece afastar-se das leis conhecidas, deve tanto mais fazer refletir, pelo menos despertar a curiosidade. Dir-se-ia realmente que certas pessoas têm medo de ver muito claro, porque teriam de convencerse de que se enganaram. Vejamos, contudo, as deduções que todo homem sério pode tirar deste fato, abstração feita de qualquer idéia espírita.

O Sr. Bach recebe um instrumento, cuja antiguidade constata, o que lhe causa grande satisfação. Preocupado com esta idéia, é natural que esta lhe provoque um sonho; vê um homem em costumes da época, tocando aquele instrumento e cantando uma ária da época; a rigor, nada aí que não possa ser atribuído à imaginação superexcitada pela emoção e pela lembrança da véspera, sobretudo num músico. Mas aqui o fenômeno se complica; a ária e a letra não podem ser uma reminiscência, pois os Sr. Bach não as conhecia. Quem, então, lhas revelou, se o homem que lhe apareceu não passa de um ser fantástico, sem vitalidade? Que a imaginação sobreexcitada faça reviver na memória coisas esquecidas, compreende-se; mas teria o poder de nos dar idéias novas? de nos ensinar coisas que não sabemos? que jamais soubemos? com as quais jamais nos ocupamos? Aí estaria um fato gravíssimo e que valeria a pena ser examinado, porquanto seria a prova de que o Espírito age, percebe e concebe independentemente da matéria. Passemos por cima, se se quiser. Estas considerações são de uma ordem tão elevada e tão abstrata que nem a todos é dado perscrutá-las, nem mesmo de sobre elas deter o pensamento.

Vamos ao fato mais material, o mais positivo, o dessa música escrita com a letra. Seria um produto da imaginação? A coisa aí está, palpável, sob os olhos. É aqui que se faz indispensável um exame escrupuloso das circunstâncias. Para não nos lançarmos no campo das hipóteses, digamos, antes de ir mais longe, que o Sr.Bach, que não tínhamos a honra de conhecer, deu-se ao trabalho de nos vir ver e submeter o original da peça em questão. Assim,pudemos colher de seus lábios todos os ensinamentos necessários para esclarecer nossa opinião, ao mesmo tempo que ele retificava nalguns pontos o relato do jornal.

Tudo se passou no sonho exatamente como está indicado; mas não foi na mesma noite que o papel foi trazido. No dia seguinte o Sr. Bach procurava lembrar-se da ária que tinha ouvido; pôs-se à espineta e conseguiu compor a música, embora imperfeitamente. Cerca de três semanas depois, o mesmo indivíduo lhe apareceu novamente; desta vez, cantou a música e a letra e disse que ia dar-lhe um meio para as fixar na memória. Foi então que, ao despertar, encontrou o papel na cama. Tendo-se levantado, decifrou a ária no seu instrumento e reconheceu que era mesmo a que tinha ouvido, bem como a letra, das quais só lhe havia restado uma lembrança confusa.

Reconheceu também o papel, por lhe pertencer; era uma folha dupla de papel de música comum, sobre uma das faces do qual ele havia escrito, pessoalmente, várias coisas. Esse papel,como muitos outros, estava numa secretária fechada, posta num outro aposento da casa. Assim, seria preciso que alguém o tivesse tirado de lá para colocá-lo na cama, enquanto ele dormia. Ora, em casa dele, ninguém do seu conhecimento poderia tê-lo feito. Quem poderia ter sido? Eis o mistério terrível, que o Sr. Albéric Second não ousa aprofundar.

Foi na face em branco da folha que ele encontrou a ária,composta segundo o método e os sinais do tempo. As palavras são escritas com extrema precisão, cada sílaba colocada exatamente sob a nota correspondente. O todo está escrito a lápis. A escrita é muito fina, mas muito clara e muito legível; a forma das letras é característica: é a que se vê nos manuscritos da época.

O Sr. Bach não era céptico, nem materialista e, ainda menos, ateu; mas, como muita gente, pertencia à numerosa classe dos indiferentes, muito pouca preocupada com as questões filosóficas. Só conhecia o Espiritismo de nome. Aquilo que acabava de testemunhar despertou sua atenção; longe de não ousar aprofundar o mistério, disse de si para si: aprofundemo-lo. Leu obras espíritas, começou a perceber e foi com o objetivo de ter mais amplas informações que nos honrou com sua visita. Hoje o fato não tem mais mistérios para ele e lhe parece muito natural; além disso, está muito feliz com a fé e os novos conhecimentos que a circunstância lhe permitiu adquirir. Eis o que ganhou.

Sabe perfeitamente que nem a música, nem a letra, podiam vir dele; não duvidava que lhe tivessem sido ditadas pela personagem que lhe havia aparecido; mas se perguntava quem as tinha podido escrever, ou se não poderia ter sido ele mesmo em estado sonambúlico, conquanto jamais tivesse sido sonâmbulo. A coisa era possível, mas, admitindo-a, apenas provava melhor a independência da alma, como todos os fatos desse gênero, tão curiosos e tão numerosos e com os quais, no entanto, a Ciência jamais se preocupou. Uma particularidade parece destruir esta opinião, a de que a escrita não guarda nenhuma relação com a do Sr. Bach; seria preciso, no estado sonambúlico, que ele mudasse sua letra habitual para tomar a do século dezesseis, o que não é presumível. Seria brincadeira de alguém de sua casa? Mas,admitindo tal intenção, ele tem certeza de que ninguém tinha os conhecimentos necessários para a executar. Ora, se ele, que sonhara, tinha apenas uma lembrança insuficiente para transcrever a letra e a música, como uma pessoa estranha se teria recordado melhor? O cuidado com o qual a coisa estava escrita teria, aliás, exigido muito tempo e requerido uma grande habilidade prática.

Outro ponto importante a esclarecer era o fato histórico dessa primeira paixão do rei, a que nenhuma história faz menção, e que lhe teria inspirado esse cântico melancólico. Tendo o filho do Sr. Bach se dirigido a um de seus amigos adido à biblioteca imperial, a fim de saber se existiria algum documento a respeito, foi-lhe respondido que, se o existisse, só poderia ser no jornal da Estoile, que se publicava na época. Pesquisas feitas imediatamente levaram à descoberta da passagem acima relatada. A mãe de Henrique III, temendo o domínio que aquela mulher, de um espírito superior, pudesse exercer sobre o seu filho, a fez enclausurar e depois matar. O rei não se conformou com essa perda, da qual conservou profunda magoa durante a toda a vida. Não é singular que esse canto relate precisamente um fato ignorado de todos e, por conseguinte, do Sr. Bach, e que mais tarde se ache confirmado por um documento da época, escondido numa biblioteca? Esta circunstância tem uma importância capital, pois prova de maneira irrecusável que a letra não pode ser uma composição do Sr. Bach, nem de nenhuma pessoa da casa. Toda suposição de fraude cai diante desse fato material.

Só o Espiritismo podia dar a chave desse fato, pelo conhecimento da lei que rege as relações do mundo corporal com o mundo espiritual. Aí nada existe de maravilhoso nem de sobrenatural. Todo o mistério está na existência do mundo invisível, composto das almas que viveram na Terra, e que não interrompem suas relações com os sobreviventes. Mostrai a alguém, ignorante de eletricidade, que se pode corresponder a duzentas léguas em alguns minutos, e isto lhe parecerá miraculoso; explicai a lei da eletricidade e ele achará a coisa muito natural. Dáse o mesmo com todos os fenômenos espíritas.

Numa sessão da Sociedade Espírita de Paris, à qual assistia o Sr. Bach, o Espírito que lhe havia aparecido deu as explicações seguintes sobre o fato que acabamos de relatar.

(Sociedade Espírita de Paris, 9 de junho de 1865 – Médium: Sr. Morin)

P. – [Ao guia espiritual do médium]. Podemos chamar o Espírito que se manifestou ao Sr. Bach?
Resp. – Meu filho, a grave questão que levou a essa manifestação espontânea é muito natural. Deve ser resolvida esta noite, a fim de não deixar qualquer dúvida sobre a maneira pela qual a música foi feita. O Espírito está aí e responderá muito claramente às perguntas que lhe forem dirigidas.

P. – [Ao Espírito que se manifestou ao Sr. Bach]. Já que quisestes vir até nós, antecipando-se ao nosso apelo, nós vos seremos reconhecidos se nos derdes a explicação do fenômeno que se produziu por vossa intervenção. Também desejaríamos saber por que o Sr. Bach foi escolhido de preferência para esta manifestação e que participação teve na produção do fenômeno?
Resp. – Agradeço a benevolência com que me acolheis entre vós. Compreendo a importância que dais a esse fato, que, entretanto, não vos deve espantar, já que esse gênero de manifestação é hoje quase geral e conhecido por muita gente.

Inicialmente, respondo à vossa primeira pergunta. O Sr.Bach foi escolhido por duas razões: a primeira é a simpatia que me une a ele; a segunda é toda no interesse da Doutrina Espírita. Situado como está no mundo, sua idade, sua longa carreira tão honradamente exercida, suas relações com a imprensa e o mundo erudito, dele fizeram o melhor instrumento para dar publicidade a fatos que, até hoje, só eram impressos em jornais espíritas. Já vos disseram muitas vezes que era chegado o dia em que o Espiritismo,conquistando imunidade em toda parte onde há raciocínio, lógica e bom-senso, seria aceito mesmo nos jornais que o denegriram.

Quanto à segunda questão: sim, tendes razão de procurar saber, a fim de não serdes vítimas de equívocos. O transporte – pois é um transporte – foi feito e dele participa o Espírito, que sou eu, e o Sr. Bach, no sonho puro e só em relação com os Espíritos.

Nota – Esta última frase tem sua explicação no artigo adiante, sobre os sonhos.

Eu trouxe ao Sr. Bach o papel de música, que obtive numa peça vizinha de seu quarto, e então a música foi escrita pelo próprio Espírito Bach, que se serviu de seu corpo como meio de transmissão. Eu escrevi a letra, que conhecia. A obra assim feita pode ser considerada como complemento espiritual, visto como o Sr. Bach, em seu sonho, estava quase que completamente desmaterializado.

P. – Qualquer pessoa dotada de mediunidade teria servido nesta circunstância?
Resp. – Não, certamente, porque se o Sr. Bach não tivesse reunido todas as qualidades requeridas, é provável que nem ele nem eu tivéssemos sido escolhidos para essa propagação.

P. – Como se serviu o Sr. Bach de seu corpo para escrever a música? Tê-lo-ia feito em estado de sonambulismo?
Resp. – Eu disse que ele se tinha servido de seu corpo como meio de transmissão, porque seu Espírito ainda está encarnado e não pode agir como Espírito desencarnado. O Espírito encarnado só pode servir-se de seus membros, e não do
seu perispírito, pois é o mesmo perispírito que mantém o Espírito ligado ao corpo.

P. – Podeis dizer quem compôs a letra?
Resp. – Se tivesse sido eu, minha grande dose de orgulho lhe guardaria a honra. Mas não; expliquei-me claramente, dizendo: “Escrevi a letra, que conhecia.” Essa letra, assim como a música, são, realmente, como vos foi dito, composição e inspiração própria de meu então senhor, o rei Henrique.

P. – Seria indiscrição pedir que nos esclarecêsseis sobre a vossa personalidade e nos dissésseis o que éreis sob Henrique III?
Resp. – Nunca há indiscrição, desde que esteja em jogo um ensinamento moral. Responderei que, tendo partido de minha terra, que era Florença, vim à França e fui introduzido na corte por uma princesa que, tendo-me ouvido cantar, quis agradar ao delfim, pois que ainda o era, fazendo que ouvisse o pobre trovador. O prazer foi tão vivo que resolveram pôr-me à sua disposição, e eu fiquei muito tempo junto a ele a título de músico, mas, na realidade,como amigo; porque ele me quis muito e eu lhe fiz bem. Tendo morrido antes dele, adquiri então a certeza de seu apego a mim,pelo pesar que sentiu com a minha perda. Meu nome foi pronunciado aqui: eu era Baltazarini.

A Sra. Delanne, que assistia à sessão, recebia pela audição respostas idênticas às que eram dadas ao Sr. Morin. No dia seguinte, em sua casa, ela escreveu a comunicação seguinte, que confirma e completa a de Baltazarini.

“Quando é chegada a hora, Deus se serve de todos os meios para fazer penetrar a ciência divina em todas as classes da sociedade. Seja qual for a opinião que se professe em relação às idéias novas, cada um deve servir à causa, ainda que à sua revelia, no meio onde está colocado. Tendo o Espírito Bach vivido sob Henrique III, e tendo sido ligado à pessoa do rei, como amigo íntimo, gostava apaixonadamente de ouvir esses versos e,sobretudo, a música. Preferia a espineta aos outros instrumentos; é por isso que o Espírito que lhe apareceu, e que é mesmo o de Baltazarini, serviu-se desse instrumento, a fim de trazer o Espírito Bach à época em que vivia e lhe mostrar, bem como à Ciência, que a doutrina da reencarnação é confirmada todos os dias por novas provas. O fato da música só teria sido insuficiente para forçar o Sr. Bach a buscar a luz imediatamente. Precisava de um fenômeno do qual não se pudesse dar contar por si mesmo, uma participação completamente inconsciente. Ele devia preconizar a doutrina, contando o fato presente, procurando esclarecer-se quanto à maneira pela qual se tinha produzido, pedindo a todas as inteligências que com ele e de boa-fé buscassem a verdade. Por sua idade respeitável, sua honrosa posição, sua reputação no mundo e na imprensa literária, é uma das primeiras balizas plantadas no mundo rebelde, porque não se pode suspeitar de sua boa-fé, nem o tratar como louco, como não se pode negar a autenticidade da manifestação.

Aliás, ficai convencidos de que tudo isto tinha sua razão de ser. Vedes que a imprensa absteve-se de comentários e, contudo, o artigo foi produzido por um não-crente, um gracejador da Ciência que, só ela, pode dar uma explicação racional do fato mencionado. Deus tem seus desígnios; lança a semente divina no coração quando o julga conveniente. Esse fato terá mais repercussão do que supondes; trabalhai sempre em silêncio e esperai com confiança.

Nós vos temos dito muitas vezes: não vos inquieteis. Deus saberá suscitar no tempo e no lugar homens e fatos que virão levantar os obstáculos e vos confirmar que as bases da doutrina receberam sua sanção pelo Espírito de Verdade. O Espiritismo cresce e se desenvolve; os galhos da árvore abençoada e gigantesca já se estendem por todas as partes do globo. Diariamente o Espiritismo ganha novos adeptos em todas as classes e novas falanges vêm engrossar as fileiras dos desencarnados. Quanto mais difíceis se tornarem os vossos trabalhos, tanto maior será a assistência dos Espíritos bons.

São Bento
R.E. , julho de 1865, p. 263